quarta-feira, 12 de setembro de 2007

Tácticas de ser puzzle I

Quando nem há uma semana se está no nosso primeiro trabalho “all by yourself”, a chefiar uma equipa que pouco ou nada ainda se conhece e nos aparece finalmente a espécie animal com que mais nos encanta trabalhar e pela qual até acabamos por achar que os cinco anos de curso teórico valeram a pena, o nosso instinto de sobrevivência fica um pouco para o reduzido...

Estava ainda nos meus primeiros dias de trabalho no ADS (Agrupamento de Defesa Sanitário) de Mértola, quando me deparei com o meu primeiro serviço de rastreio e de desparasitação e vacinação de vaquitas. Foi grande o entusiasmo associado a um certo sabor a desafio visto que seria a minha primeira vez a lidar com bovinos de carne em Portugal e gostaria de evidenciar o que de melhor há em mim em termos profissionais. É que o facto de ser mulher nesta profissão, aliado a uma cara de miúda que ainda nem acabou o secundário, dificulta um pouco a nossa credibilidade como veterinária competente num meio cujo sexo maioritário é o masculino. Quando cheguei ao local, fiquei satisfeita por encontrar condições muito semelhantes às encontradas nas minhas pequenas voltas pelo Mundo... pelo menos algo (para além dos próprios animais) era-me familiar. Apresentei-me como vet mas nem mencionei a minha origem “alfacinha” não fosse assustar o produtor.

Iniciámos o trabalho...

Nada de muito complicado... As tarefas estavam divididas entre mim e os meus dois ajudantes. Enquanto um identificava individualmente os animais, comparando o número dos brincos com os respectivos Boletins Sanitários (correspondentes ao nosso BI) e inscrevendo-os numa folha (a chamada folha de sangues) por ordem de entrada, o outro colhia sangue da veia caudal, vacinava e desparasitava os animais. A mim cabia-me a tarefa de, com uma tesoura, cortar o pêlo de duas zonas do pescoço de cada animal (separadas por um palmo), medir as pregas de pele recém “rapada” (dados também inscritos na folha de sangue) e injectar os dois tipos de tuberculinas (aviária e mamífera), um em cada prega, para futura comparação de resultados. Tarefa nada complicada SE os animais não fossem na sua maioria jovens e irrequietos, e SE a tesoura cortasse... mas até estes contratempos tornavam o trabalho mais entusiasmante. Nada como estar no campo e ter de lidar com algumas limitações e imprevistos.
Ao fim de algumas horas sob Sol intenso, o calor começou a apertar e os bichos começaram a impacientar-se... A tesoura decidiu entrar em greve e passou a pouco ou nada cortar, as mãos começaram a estalar com bolhas e o cansaço de termos começado o trabalho há algumas horas atrás começou a manifestar-se. Já tinha ficado com a mão entalada duas vezes entre as barras da manga (corredor de metal onde os animais ficam relativamente imobilizados e podem ser tratados com maior segurança) mas, à terceira, foi de vez. Nem me lembro muito bem de tão rápido que foi. Só me lembro da dôr e dos gemidos dos presentes como se tivesse sido a sua própria mão a ficar esmagada entre os cornos de uma das novilhas (vaca jovem) e uma das barras de ferro. Ah, mas lembro-me bem de ter ficado a vêr tudo estrelado à minha volta e ter uma vontade imensa de insultar o bicho de todas as formas possíveis. Quando me perguntaram como estava só lhes disse um “estrelada” e “a tentar manter-me muda”. A risota foi geral e voltámos ao trabalho quase findado. Um mês mais tarde vim a descobrir que naquele dia tinha partido alguns ossos da mão...

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