quarta-feira, 12 de setembro de 2007

Por caminhos Alentejanos

No Alentejo, um dos maiores desafios a enfrentar e a ultrapassar no dia a dia de trabalho de um veterinário de campo é conseguir encontrar os famosos montes com respectivas explorações, seguindo as indicações dos respectivos habitantes.

Uma das minhas situações mais caricatas deu-se em Corte de Pinto.

Já não íamos dentro dos horários previstos mas a verdade é que já tinhamos andado às voltas para descobrir que Vale de Serpa não ficava no Concelho de Serpa mas sim no de Mértola. Finalmente descobrimos que este era um monte (e não um vale) que ficava para os lados de Corte de Pinto, num caminho de terra batida em direcção a Serpa. Chegados a esta localidade pedimos a um dos traseuntes por indicações. Estas foram claras: “Siga em frente, contorne a rotunda, vire à esquerda, contorne o campo da bola e depois é sempre em frente, sempre em frente, sempre em frente...”. Seguimos mais do que religiosamente as indicações, prestando atenção aos diversos montes por onde passávamos em busca de algum sinal de vida. Andámos, andámos, andámos... passámos por várias bifurcações, por várias explorações, subimos, descemos, encontrámos vacas, ovelhas, porcos, galinhas... e nada. Tentámos telefonar à D. Antónia, nosso contacto na Cooperativa, mas ficámos sem rede enquanto esperávamos resposta (não admira, estávamos na terra-de-ninguém), decidimos avançar até encontrarmos alguém.

Após mais umas subidas e descidas demos com uma casa no meio do nada que, por sorte, até estava habitada. Quando recorri ao típico: ”Oh da casa!”, assumou-se à porta de sua habitação uma figura bastante caricata. Parecia-se com o famoso Abraham Lincoln mas numa versão mais campestre: patilhas compridas, vestes mais modestas e com o sempre amigo e companheiro de viagem, faina e gulosaima de qualquer alentejano que se preze, canivete na mão. Como já calculávamos, tínhamos passado há muito a dita exploração e as novas indicações basearam-se num sempre em frente e num “já quando a avistar a aldeia, à direita, encontram uma espécie de galinheiro”. Voltámos para trás... bastante atentos ao hipotético galinheiro que nenhum de nós se lembrava de ter passado durante o percurso inverso. Voltámos a subir, descer, a passar por vacas, ovelhas, porcos, galinhas, virámos as nossas cabeças para o lado direito e... nada. Arriscámos inclusivamente a subir a alguma das explorações humanamente inabitadas mas nada que se parecesse com um galinheiro e ninguém foi avistado. Voltámos à Corte de Pinto para recolha de novas informações.

O novo informador limitou-se a repetir o já conhecido: “Siga em frente, contorne a rotunda, vire à esquerda, contorne o campo da bola e depois é sempre em frente, sempre em frente, sempre em frente...”. Decidimos procurar outras fontes... A D. Antónia entretanto já tinha conseguido falar connosco a dizer-nos para nos dirigirmos ao posto dos correios que lá alguém nos daria indicações mais precisas. À procura dos correios deparámo-nos com a Junta de Freguesia, com os seus bancos corridos cheios de velhotes desdentados, de cajado na mão, em alta cavaqueira e convívio... Desci da carrinha e dirigi-me ao guichet da entrada sem antes ter deixado de saudar os meus amigos compadres. Aqui toda a gente se fala.

Lá dentro a ajuda não foi muita... e não foi por falta de informadores (chegou até às empregadas de limpeza). Viémos cá fora perguntar aos velhotes, conhecedores destas terras e dos seus mais recônditos recantos, se já tinham ouvido falar do monte ou do seu dono. Após uns tantos “Ah, não será o filho de...”, “Não, talvez seja o dono do restaurante Y...” e outras tantas relações familiares, lembra-se a sra da Junta de Freguesia de perguntar se o Sr. Brás (dono do gado) não era o sobrinho de um dos velhotes que se limitava a abanar a cabeça como clara prova de desconhecimento. De repente fomos surpreendidos com um “ Talvez seja o meu sobrinho, ele chama-se Brás... ”

Seguindo as novas pistas, lá fui eu ao mercado à procura da esposa do Sr Brás, visto que o sr em questão já estaria na exploração, deseperado por ver uma carrinha branca passar para a frente e para trás e a meter-se em caminhos alheios há mais de meia hora. Encontrada a respectiva sra, convenci-a a vir connosco porque as suas instruções limitavam-se às indicações anteriores (...sempre em frente, sempre em frente, sempre em frente...) e não estavamos interessados em retomar as mesmas andanças. Após alguns minutos demos com o sítio, conhecemos o então já famoso Sr Brás, antigo pastor que se decidiu a ter o seu próprio rebanho, e foi com grande surpresa nossa que viemos a saber que o sr velhote que tão convincentemente abanava a cabeça em prova de desconhecimento do seu próprio sobrinho não era mais do que o seu padrinho de baptismo, o que equivale a dizer que tinha sido ele a escolher o nome do próprio Sr Brás!

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Passadas umas semanas voltámos à Corte de Pinto, desta vez para outra exploração que também desconhecíamos localização e para a qual tivemos de pedir por mais algumas informações. Foi dificil aguentar as gargalhadas gerais quando fomos presenteados com um “siga em frente, contorne a rotunda, vire à esquerda, contorne o campo da bola e depois é sempre em frente, sempre em frente, sempre em frente...”.

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